O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a definir se é possível a execução provisória de pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O foco das discussões têm sido, até o momento, a constitucionalidade do instituto, pouco se falando sobre as consequências da aludida decisão.
Entretanto, de nada adiantará a Suprema Corte decidir sobre algo que se tornará inexequível no mundo real caso venha a ser implementada de maneira isonômica. Tanto é verdade que, desde fevereiro deste ano, quando julgou o HC 126.292/SP, poucos foram os casos em que se determinaram a execução provisória, se se considerar o universo de condenados em segunda instância que ainda estão recorrendo perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio STF. Na verdade, a execução da pena depois da condenação em segunda instância ficou basicamente restrita aos casos mais midiáticos, geralmente envolvendo políticos.
E isso acontece porque os julgadores sabem que as penitenciárias simplesmente não comportam mais ninguém. Aliás, o próprio STF editou a Súmula Vinculante 56, segundo a qual o condenado, em caso de falta de vagas, tem o direito a cumprir pena em regime menos gravoso do que aquele inicialmente imposto.
Sob essa perspectiva, é importante analisar os dados mais recentes do Infopen – Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional – que descrevem a situação caótica por que passa o nosso dispendioso (dados do Depen informam que custa de 12 a 15 bilhões de reais por ano) e ineficiente (alto índice de reentrada) sistema prisional.
Segundo consta do levantamento, já em dezembro de 2014 o país seria “a quarta nação em número absoluto de presos no mundo”, contando com mais de 622 mil pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais e um déficit de mais de 250 mil vagas. Isso sem contar os quase 450 mil mandados de prisão em aberto que, se cumpridos, levariam à necessidade de duplicação do atual sistema.
Pior, em que pese o número de vagas ter triplicado entre 2000 e 2014, o déficit duplicou nesse mesmo período. Só para se ter uma ideia, enquanto a população brasileira aumentou 16%, a população prisional aumentou quase 170%. Ou seja, 10 vezes mais. Nesse ritmo, sem computar o impacto que a execução provisória possa trazer, teríamos cerca de 1 milhão de presos em 2022 e, pasmem, em 2075, a cada dez brasileiros, um estaria preso – o que seria inviável tanto do ponto de vista social quanto econômico.
Luiz Flávio Gomes, em publicação intitulada “Enquanto o Brasil prende, a Coréia do Sul educa”, aponta de forma precisa raiz do problema prisional. Ao comparar a realidade dos dois países, e apresentar dados que demonstravam que entre 1994 e 2009, enquanto houve uma queda de 19,3% no número de escolas públicas no país, o número de presídios aumentou 253%, o professor concluiu que “nos últimos 20 anos enquanto a Coréia do Sul investia massivamente em educação, o Brasil, atendendo, sobretudo, a pressão midiática e o populismo punitivo, gastava seus parcos recursos construindo presídios”.
O problema é que esses “parcos recursos”, por óbvio, não conseguem acompanhar essa política de encarceramento em massa. Uma prova disso é a realidade do Distrito Federal. Na semana passada, na qualidade de representante da OAB/DF, juntamente com vários outros representantes de órgãos que atuam no sistema prisional, participei de uma reunião na Secretaria de Segurança Pública para debater a mudança na frequência das visitas no sistema prisional local.
Segundo nos foi informado, no Centro de Detenção Provisória (CDP) as visitas agora irão acontecer de vinte e um em vinte e um dias. A superlotação (no Distrito Federal existem hoje cerca de 15.500 presos para cerca de 7.000 vagas) e a falta de espaço físico foram as justificativas apresentadas. Não queiram nem saber o que escutei quando perguntei a alguns gestores o que ocorreria caso o STF passasse a permitir definitivamente a execução provisória…
E é justamente nesse cenário, que beira o apocalipse, que o Supremo irá decidir sobre a possibilidade de se executar provisoriamente as penas privativas de liberdade. De todo jeito, caso a resposta seja positiva, é preciso que se diga quem será executado provisoriamente. Ou seja, todos, indistintamente, em respeito ao princípio da isonomia; ou o Judiciário continuará escolhendo os “agraciados”, conforme a repercussão do caso na mídia.
Muito mais salutar seria trabalhar na reforma do Código de Processo Penal, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, na medida em que o legislador poderia enxugar a quantidade de recursos e eleger a melhor forma de punir os diferentes tipos penais, deixando a prisão para aqueles casos mais graves e delegando para o órgão acusatório e a defesa a possibilidade de negociar medidas alternativas para os demais. Do contrário, o país continuará punindo cada vez mais, a um custo cada vez maior, sem que a sociedade tenha qualquer benefício.
Alexandre Queiroz é advogado criminalista, conselheiro e presidente da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF