Portaria publicada no D.O.U. visa padronizar os contratos de concessão de rodovias e estabelecer a nova Política Pública para o setor, que entra em vigor a partir de 1º de novembro.
Por Aline Holanda e Izabella Mattar
O Ministério dos Transportes (MT) publicou, no último dia 18 de outubro, a Portaria nº 995/2023, que institui a Política Nacional de Outorgas Rodoviárias no âmbito do Ministério e de suas entidades vinculadas. O principal objetivo é a padronização dos instrumentos de parceria, inclusive quanto ao modelo econômico-financeiro e o critério de licitação – menor tarifa cumulado com maior valor aporte quando for ultrapassado o desconto máximo definido para o projeto.
De acordo com a Portaria, os contratos de concessão rodoviária “devem ser orientados para o incentivo à participação da sociedade civil e do mercado, definindo diretrizes e procedimentos objetivos e transparentes, capazes de fomentar a sustentabilidade contratual, social e ambiental”.
No que se refere à política tarifária, a norma estabelece, dentre outros aspectos, a definição das premissas macroeconômicas a serem utilizadas na estruturação de novas parcerias; o incentivo tarifário, de acordo com a oferta de infraestrutura diferenciada; a tarifa variável, em razão do horário ou período da cobrança; o emprego de novas tecnologias para cobrança e a aplicação de descontos a título de incentivo ao usuário. Para tanto, estão previstas a incidência de descontos progressivos na tarifa de pedágio, de acordo com a frequência utilizada da via para veículos leves (atualmente denominado Desconto de Usuário Frequente ou “DUF”) e o sistema de pedagiamento automático de livre passagem (“Free Flow”).
O incentivo à obtenção de receita acessória é outra marca da nova Política, em especial através da utilização da faixa de domínio, o que abrange a possibilidade de comercialização de Pontos de Parada e Descanso, os chamados PPDs. Ademais, há previsão de que os reajustes, revisões e reequilíbrios econômico-financeiro sejam procedidos de forma automática, em alguns casos.
Em homenagem à Teoria da Regulação Responsiva, que privilegia o oferecimento de incentivos em detrimento do sistema meramente punitivo, a Portaria prevê a adoção de incentivos ao desenvolvimento de uma infraestrutura viária resiliente, ambiental e economicamente sustentável, bem como incentivos à execução de investimentos obrigatórios com ganhos de prazo e melhor desempenho, inclusive com previsão de reclassificação tarifária após a conclusão de obras que proporcionem maior conforto, fluidez e segurança viária.
A Portaria ousa ao prever expressamente a possibilidade de aportes públicos, a critério do Ministério dos Transportes, com o objetivo de viabilizar a execução de obras relevantes, mantendo-se a modicidade tarifária, desde que atendida a legislação específica. Em casos mais desafiadores, o projeto poderá, inclusive, ser estruturado na forma de Parceria Público-Privada (PPP).
O primeiro ciclo de investimentos, considerando as obras de ampliação de capacidade se estenderá até o 10º ano de concessão. Trata-se de mais um problema antigo que a nova Política Pública pretende endereçar, dado que, nos contratos considerados inexitosos, os investimentos mais vultuosos eram imprensados nos 5 (cinco) primeiros anos de execução contratual.
As concessões poderão ser prorrogadas, mantidas as condições definidas em contrato, pelo período de até 30 anos. A extensão do prazo contratual poderá se dar, inclusive, como mecanismo de incentivo às concessões que apresentem altos níveis de desempenho e atinjam pontuação de destaque e, ainda, de acordo com a metodologia do Programa Internacional de Avaliação de Estradas (“Irap”), garantindo uma extensão de até 5 (cinco) anos.
Outro importante dispositivo trata do estabelecimento, enquanto Política Pública para o setor, do compartilhamento de riscos – evolução regulatória observada nos últimos anos que visa relativizar a célebre expressão “por sua conta e risco”, positivada na Lei de Concessões, que costumava embasar a atribuição de todos (ou praticamente todos) os riscos do negócio para o parceiro privado, o que contribuiu decisivamente para a derrocada de vários projetos. Agora, fica expressamente admitido o compartilhamento dos riscos, entre concessionária e Poder Concedente, até mesmo da variação (relevante) de tráfego e de custos dos insumos – pleitos antigos e recorrentes do mercado.
Diversas tecnologias foram contempladas pela Portaria, dentre elas a utilização de drones, telemedicina, tecnologia 5G, câmeras com reconhecimento ótico de caracteres (“OCR”) e pesagem automática em movimento (atualmente estudada através da tecnologia “HS-WIM”). Ademais, houve preocupação com a transição energética da frota de veículos que utilizam as concessões, com implantação de pontos de recarga para veículos elétricos.
Mecanismos de inspeção acreditada de projetos e verificador independente, temas que foram objeto de amplo debate perante o Tribunal de Contas da União (TCU), também foram previstos na Portaria, trazendo maior confiabilidade à atividade fiscalizatória e resolvendo o impasse entre a necessidade de a fiscalização ser realizada por técnicos das Agências Reguladoras (cujo número se mostra insuficiente em face da profusão de novos projetos) e a utilização dos dados fornecidos pelas Concessionárias.
A Portaria prevê que deverão aproveitados estudos, projetos e licenças ambientais já realizados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) ou pela Concessionária antecedente, sendo previsto, também, o alinhamento prévio entre os órgãos envolvidos e a análise de contribuições advindas da sociedade civil. O prazo entre a publicação do Edital e a realização do Leilão deverá ser maior que 100 (cem) dias e os valores dispendidos pelo ente estruturador serão ressarcidos pelo proponente vencedor.
Ainda sobre o aspecto procedimental, o Plano de Outorga (instrumento que consolida as diretrizes para a política de outorga adotada, a modalidade operacional e as condições de desestatização) será proposto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e submetido ao Ministério dos Transportes e ao TCU. Paralelamente, o Ministério deve providenciar a qualificação do empreendimento como projeto prioritário nacional junto ao Programa de Parceria de Investimentos (PPI) até antes da publicação do Edital de Licitação.
Por fim, uma das grandes inovações foi a previsão da realização de ações afirmativas de gênero e raça pelas concessionárias, incluindo medidas concernentes ao recrutamento, à progressão igualitária, ao ambiente inclusivo e a adesão das Concessionárias às políticas públicas sobre o tema.
Grande parte dessas mudanças vinham sendo incorporadas às minutas e modelagens contratuais mais recentes, e, por meio de termos aditivos, aos contratos de concessão rodoviária vigentes. Não obstante, a instituição de uma Política Pública unificada para o setor traz um incremento na percepção de segurança jurídica para os agentes públicos e para os investidores. Além disso, contribui para o saneamento do grave problema regulatório observado em razão da diferença entre os contratos de parceria, propiciando um tratamento mais isonômico e diminuindo o custo regulatório.