Índice
- Introdução
- Direito Civil e do Consumidor
- Direito de Família
- Direito do Trabalho
- Relações Governamentais
- Direito Administrativo
- Direito Tributário
- Direito Penal
- Conclusão
Introdução
A pandemia do Coronavírus (COVID-19), conforme declarada, em 11/03/2020, pela Organização Mundial da Saúde – OMS, vem ocasionando impactos nas relações jurídicas, tanto por constituir fato jurídico extraordinário, quanto por ter ensejado a expedição de normas específicas nas diversas áreas do Direito.
Necessário o enfrentamento de tais alterações, com vista à adequada compreensão e solução das situações jurídicas delas decorrentes. Nesse sentido, este informativo vem pontuar as consequências jurídicas da pandemia, de forma segmentada, para os mais diversos ramos do Direito.
Direito Civil e do Consumidor
Contratos
O surto viral de COVID-19 tem ocasionado o danoso efeito de dificultar ou impossibilitar às pessoas, físicas ou jurídicas, o cumprimento de obrigações contratualmente assumidas. Tal cenário se agravará, caso o número de infectados pelo vírus continue aumentando substancialmente, e se adote medidas ainda mais restritivas à população, como decretação de quarentena obrigatória.
Embora a pandemia em questão se trate de situação singular enfrentada pela população brasileira, há em nossa legislação a previsão de soluções a ocasiões como a atualmente vivenciada e que geram distúrbios nas relações contratuais. Tratam-se de exceções à regra geral, de cumprimento integral dos contratos a qualquer custo, a salientar: a teoria da imprevisão (ou onerosidade excessiva) e os casos fortuitos ou de força maior.
A teoria da imprevisão (ou onerosidade excessiva) é aplicada a situações em que a ocorrência de fato superveniente à formação do contrato, extraordinário e imprevisível, torne a prestação extremamente sacrificante para uma das partes e desproporcionalmente vantajosa para a outra.
Inevitável supor que contratantes realizaram negócios levando em conta o cenário econômico do Brasil e do mundo no momento anterior ao surto viral. No entanto, o agravamento da situação da China, por exemplo, levou nosso país a exportar menos produtos de consumo e a suspender a importação de insumos.
Tal realidade impactou não apenas a indústria, mas, também, o produtor rural brasileiro, que se viu prejudicado na venda de seus produtos ao exterior, como, também, no sobrepreço de insumos, cujos contratos restaram atrelados a indexadores que sofreram recente distúrbio, ou a moedas estrangeiras, agora supervalorizadas (em especial o Dólar).
Já os casos fortuitos ou de força maior são eventos, humanos ou da natureza, imprevisíveis e inevitáveis, que afetam significativamente o contrato, seus termos e obrigações. Apenas um impedimento real e comprovado poderá justificar o descumprimento das obrigações contratualmente assumidas, e somente quando não for possível adimpli-las por meios alternativos, como vêm fazendo diversas escolas, ao ministrar aulas online aos seus alunos.
A escusa justificável do caso fortuito ou da força maior apenas alcançará a parte do objeto do contrato diretamente atingida pela pandemia, como vem ocorrendo com shows e festas, incluídas as de casamento, cuja realização resta impedida até mesmo por Decretos expedidos pelo Poder Executivo.
Ainda que o contrato não preveja tal obrigação, é fundamental a notificação da contraparte acerca da situação enfrentada, até mesmo para se expor a relação causa/efeito da doença e as medidas adotadas, o que servirá como meio de produção de provas, a fim de se resguardar em futura ação judicial, o que toma maior importância em relação aos fornecedores/prestadores de serviços.
A mitigação dos danos à economia nacional impõe o bom-senso por parte dos contratantes. Sendo temporário o impedimento em questão, é preferível suspender/postergar a execução do contrato, quando possível, a se proceder com sua rescisão. É como vêm agindo diversas academias de ginástica e empresas de eventos.
Na seara pública, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, em que se suspendeu a execução de hipotecas e respectivas ações de despejo, aqui no Brasil, o governo aplicou aos bancos públicos, em favor dos clientes, a suspensão do pagamento de operações de crédito, como, por exemplo, empréstimos e financiamentos imobiliários. Determinados bancos privados optaram por seguir a mesma linha de atuação, igualmente beneficiando seus clientes.
Preço abusivo de produtos médicos / farmacêuticos
Determinados comerciantes vêm aumentando consideravelmente o valor dos produtos vendidos ao público, pois, sabidamente, serão mais comprados pela população nesse momento. Ocorre que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços elevar sem justa o preço a ser cobrado.
Assim, o Procon está realizando visitas aos estabelecimentos comerciais, com o objetivo de identificar aumentos abusivos e injustificados pelos comerciantes, na venda de itens usados para prevenção da COVID-19. Caso o consumidor se sinta lesado, deve formalizar a queixa pelos canais oficiais do Procon, seja pelo telefone 151 ou pelo e-mail 151@procon.df.gov.br.
Remarcação de passagens aéreas e pacotes turísticos
Conforme a Medida Provisória nº. 925, de 18 de março de 2020, os passageiros que aceitarem adiar suas viagens, mediante crédito a ser utilizado em até 12 meses, ficarão isentos da cobrança de multa contratual.
O passageiro que decidir cancelar sua passagem aérea e optar pelo seu reembolso (observado o meio de pagamento utilizado no momento da compra) está sujeito às regras contratuais da tarifa adquirida, ou seja, é possível que sejam aplicadas eventuais multas. Ainda que a passagem seja do tipo não reembolsável, o valor da tarifa de embarque deve ser reembolsado integralmente e o prazo para tanto é de 12 meses.
Em Nota Oficial, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), recomenda que os hotéis e empresas que vendem pacotes turísticos permitam que o consumidor possa remarcar, sem custos adicionais, as viagens turísticas previstas para os próximos 60 dias, a contar da data da publicação (14/03/2020).
É importante destacar que a remarcação leva em conta fatores como destino, temporada e tarifas de passagens. Cabe frisar que essa recomendação leva em consideração o Código de Defesa do Consumidor e a hipótese de caso fortuito ou força maior disposta no Código Civil, que resguardam o consumidor em eventual processo em face das agências de turismo e hotéis que se neguem a remarcar as hospedagens e pacotes de viagem sem custo adicional.
Direito de Família
Alimentos
Diante do cenário de crise econômica, comprovada a redução na capacidade financeira do devedor, ou seja, daquele que paga pensão alimentícia, nada mais justo que haja um pedido judicial de revisão da fixação dos alimentos antes arbitrada pelo Juiz,desde que comprovada a diminuição de renda do alimentante, a teor do disposto no art. 1.694, § 1º, do Código Civil.
Portanto, a partir dessa problemática, havendo a demissão ou mesmo a simples redução da renda do devedor, em decorrência do atual cenário de pandemia, a medida cabível é a Ação Revisional de Alimentos, atentando-se para a necessidade de comprovação do novo cenário alegado.
Regulamentação de guarda e regime de convivência e visitação
Segundo o art. 227 da Constituição Federal, os pais devem zelar pela segurança, saúde e bem estar dos filhos, evitando assim, desnecessária exposição do menor, atendendo às normas das autoridades sanitárias e governamentais que procuram evitar a propagação do coronavírus.
Existem medidas judiciais que podem rever esses elementos de guarda, do regime de convivência ou de visitação, caso haja quaisquer divergências entre os pais, conforme exemplo citado abaixo, destacado do site do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM:
“Após voltar de viagem à Colômbia, um pai foi impedido de ver a filha por determinação do desembargador José Rubens Queiroz Gomes, da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP. A mãe da menina entrou com ação alegando que a criança possui problemas respiratórios graves, o que a inclui no grupo de risco. Os pais, que são separados, não chegaram a um acordo sobre a questão. A solicitação pleiteada pela mãe havia sido negada em primeira instância. Todavia, julgando a questão em caráter liminar, o desembargador do TJSP considerou que “não haverá grande prejuízo se a criança permanecer mais nove dias sem ver o genitor”. A decisão acolheu parecer do Ministério Público, segundo o qual a posição mais adequada é a de suspender as “visitas do pai à filha até o dia 21 de março”, quando completam 15 dias do retorno do homem ao Brasil. Seu direito de conviver com a menina poderá ser novamente limitado caso ele apresente sintomas do coronavírus. Até esta quarta-feira (18), a Colômbia tem 75 casos confirmados.”
O art. 1.586 do Código Civil prevê intervenção do Juiz em casos de extrema relevância a bem dos filhos, o que ocorreu no caso citado acima, pois, ainda que a convivência familiar seja de suma importância, esta deve ser saudável para todos os membros, sempre levando em consideração o melhor interesse e proteção da criança.
Funcionamento no âmbito das serventias extrajudiciais e dos serviços notariais e de registro
Houve Recomendação do CNJ para suspender ou reduzir o horário do expediente externo e do atendimento ao público, em consonância com as orientações das autoridades locais de cada Estado e nacionais de Saúde Pública, sendo possível atendimento apenas para casos urgentes e por agendamento, de acordo com o art. 2º, da Recomendação nº. 25, de 17 de março de 2020 do CNJ, que dispõe sobre medidas preventivas para a redução dos riscos de contaminação com o novo coronavírus, no âmbito das serventias extrajudiciais e da execução dos serviços notariais e de registro.
Direito do Trabalho
Visando à manutenção dos vínculos laborais e à redução dos impactos econômicos, diante da pandemia ocasionada pelo Coronavírus (COVID-19), inicialmente, foi sancionada a Lei nº. 13.979/2020, estabelecendo medidas de afastamento, quarentena e restrição de circulação para os cidadãos.
A referida lei, em seu artigo 3º, § 3º, previu o abono dos dias de falta do empregado em virtude das medidas preventivas acima, para fins de controle da epidemia (falta justificada). Isto quer dizer que o contrato de trabalho dos empregados atingidos pela quarentena ou pelo necessário afastamento, mesmo que não infectado, mas como medida de prevenção, ficará interrompido. Dessa forma, o empregado recebe o salário sem trabalhar.
Posteriormente, o Decreto Legislativo nº. 6 de 2020 estatuiu o Estado de Calamidade Pública no Brasil. Em seguida, foi editada a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, vigente neste momento e de caráter precário até que se converta em lei, autorizando medidas trabalhistas para enfrentamento deste estado, com vigência enquanto durar a calamidade pública e sendo reconhecida como hipótese de força maior, conforme art. 501, da CLT.
As disposições da MP se aplicam aos empregados urbanos, rurais, domésticos, estagiários (os dois últimos na parte compatível) e terceirizados, permitindo a celebração de acordo individual escrito, que prevalecerá sobre qualquer norma, inclusive os instrumentos coletivos e demais leis ordinárias, mesmo as não trabalhistas (previdenciária, tributária), desde que respeite a Constituição Federal, conforme art. 2º da MP, que autoriza um leque de medidas para flexibilizar as relações de trabalho, sempre com o objetivo de evitar a despedida, as quais serão analisadas a seguir.
Teletrabalho
O empregador poderá optar pelo teletrabalho por meio de simples notificação da modificação do regime de trabalho ao empregado, por escrito ou meio eletrônico, com 48 horas de antecedência, sem necessidade de alteração no contrato de trabalho, aplicando-se também aos estagiários e aprendizes.
Quando o empregado não dispuser dos equipamentos necessários e da infraestrutura adequada para o trabalho remoto ou haja reembolso das despesas arcadas pelo trabalhador, o empregador poderá disponibilizá-los em regime de comodato, com previsão no contrato escrito, firmado previamente ou em 30 dias, contado da data da mudança do regime de trabalho, podendo ainda pagar pelos serviços de infraestrutura, os quais não caracterizarão verba de natureza salarial, ou seja, não terão reflexo nas férias, FGTS, horas extras, 13º salário, aviso prévio etc.
Caso o empregador e o empregado utilizem, fora da jornada normal de trabalho, aplicativos para comunicação, esse tempo não será considerado como tempo à disposição, salvo se existir acordo celebrado nesse sentido. Exemplificando: Se o empregador fornecer, via whatsapp, orientações e regras a serem adotadas pelo trabalhador, o tempo que ele despender para ver as mensagens não será considerado como tempo de trabalho.
Antecipação de férias individuais e coletivas
É possível a antecipação das férias individuais, cabendo à empresa informar ao empregado (inclusive aos que não tenham completado o período aquisitivo), com 48 horas de antecedência, por escrito ou meio eletrônico, indicando o período de gozo, que não poderá ser inferior a cinco dias corridos, sendo prioridade do grupo de risco do coronavírus (COVID-19) o gozo de férias individuais ou coletivas. Além disso, por meio de acordo individual escrito, pode-se negociar a antecipação de férias futuras. O pagamento das férias ocorrerá até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do seu gozo e o pagamento do terço constitucional até o dia 20/12/2020, junto com o 13º salário.
Para as férias coletivas, haverá a notificação do conjunto de empregados afetados com antecedência mínima de 48hs, sendo dispensada a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional.
Aproveitamento e antecipação de feriados
O empregador poderá antecipar os feriados não religiosos, comunicando ao empregado beneficiado com 48 horas de antecedência, por escrito ou meio eletrônico, com indicação expressa dos feriados que serão aproveitados, os quais também poderão ser utilizados para compensação no banco de horas. Já o aproveitamento dos feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, por meio de acordo individual escrito.
Banco de horas
O banco de horas será estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, com compensação no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, para empregado ou empregador. A compensação futura para recuperar o tempo de trabalho interrompido poderá ocorrer com a prorrogação diária da jornada em até duas horas, sem exceder o total de 10 horas corridas trabalhadas. Já a compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.
Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho
Há a possibilidade de suspensão da obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos demissionais, os quais deverão ser realizados no prazo de 60 dias, após encerramento do estado de calamidade pública e podem ser dispenados caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias.
Direcionamento do trabalhador para qualificação
Haverá a suspensão da obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, que poderão ser realizados em 90 dias, após o encerramento do estado de calamidade pública. No entanto, é possível a sua realização na modalidade de ensino a distância, durante esta situação calamitosa.
Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS
É possível a suspensão da exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores das competências de março, abril e maio de 2020, podendo ser parcelado em seis vezes, a partir de julho/2020, sem incidência da atualização, da multa e dos encargos, desde que façam a declaração obrigatória das informações até 20 de junho de 2020.
Havendo rescisão do contrato de trabalho, as parcelas vincendas serão antecipadas para o prazo aplicável ao recolhimento. Caso sejam inadimplidas, estarão sujeitas à multa e aos encargos devidos, com bloqueio do certificado de regularidade do FGTS. Outrossim, os prazos dos certificados de regularidade emitidos anteriormente à data de entrada em vigor da MP serão prorrogados por 90 dias.
Redução dos salários
Embora a MP não autorize expressamente a redução salarial por ajuste escrito entre as partes, pode-se entender tal possibilidade implicitamente prevista no seu artigo 2º. Fato é que o art. 503 da CLT estabelece que, por motivo de força maior, é lícita “a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”.
Ocorre que há grande risco trabalhista para o empresário que determina a redução dos salários de seus empregados ativos (trabalhando) por simples ajuste escrito, sem a intervenção do ente sindical, pois só poderia haver redução salarial por meio de negociação coletiva e com a participação do sindicato da categoria. Nesse sentido, o mais acertado seria escolher outra possibilidade, dentre as previstas na MP n°. 927/2020, para manutenção do vínculo empregatício, salvo edição de norma autorizadora em futuro próximo.
Ademais, vale a pena destacar que se aguarda a edição de uma nova medida provisória para admitir a suspensão do contrato de trabalho, a qual será uma possibilidade viável para o empregador não precisar extinguir o vínculo laboral.
Relações Governamentais
O Congresso Nacional segue funcionando, mesmo em meio à crise, com foco na adoção de medidas que possibilitem a superação da atual situação de emergência.
A Câmara dos Deputados anunciou que irá dar preferência à análise de matérias que tratem do tema da COVID-19, exceto quando houver acordo entre líderes para tratarem de matérias alheias ao vírus. O Senado Federal, de maneira similar, também anunciou que tratará apenas de matérias cujo prazo não possa aguardar o término do Estado de Emergência em que o país se encontra.
As sessões deliberativas estão acontecendo de forma remota, ou seja, não há a necessidade de comparecimento dos parlamentares ao plenário das Casas.
Nenhuma das Casas, contudo, se manifestou quanto à deliberação de demais medidas provisórias e proposições que não guardem relação com situação da COVID-19 ou não tenham prazo determinado para concluir sua tramitação. Diante disso, o Partido Progressista apresentou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no STF. A ADPF solicita que os prazos para votação das medidas provisórias sejam suspensos pelo prazo de trinta dias. O Ministro Relator ainda não decidiu a respeito do pedido liminar.
De todo modo, o acompanhamento dos andamentos das medidas provisórias e projetos de lei permanecerá sendo realizado diariamente, pois, mesmo que haja a suspensão dos prazos por trinta dias, as tramitações internas poderão continuar ocorrendo.
Importante frisar que, no caso das Medidas Provisórias editadas com o objetivo de combater a disseminação da COVID-19, há a possibilidade de que sejam apresentadas as emendas necessárias no prazo de seis dias corridos contados da data da publicação da MP. Abaixo, seguem listadas as MP’s com prazo para emendamento em aberto:
- MP 926/2020: dispõe sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Emendas na Comissão até 26/03/2020;
- MP 927/2020: dispõe sobre medidas trabalhistas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus. Emendas na Comissão até 30/03/2020;
- MP 928/2020: Estabelece prioridade para os pedidos de acesso à informação relacionados ao enfrentamento da emergência de saúde pública. Emendas na Comissão até 30/03/2020.
Caso a medida provisória ou qualquer outra proposição seja incluída na pauta de sessão remota e se faça necessária a apresentação de emendas, as mesas, tanto da Câmara quanto do Senado, já disponibilizaram os protocolos por correio eletrônico, o que possibilita a continuidade dos serviços. De igual modo, todos os parlamentares seguem atendendo a solicitações de agenda por meio de videoconferência.
Ademais, há diversos grupos de trabalho e discussões nos Ministérios da Saúde, Infraestrutura e Economia relativamente a medidas que devam ser adotadas no período da calamidade. Bem assim, todas as solicitações de agenda (por videoconferência) de assuntos relativos à situação presente, gozam de prioridade, o que permite a continuidade dos serviços de viabilização de tais pleitos.
Direito Administrativo
Os impactos da pandemia gerada pelo COVID-19 nos contratos públicos e licitações deverão ser analisados com maior foco nos diversos diplomas normativos editados para combate à propagação do vírus, especialmente os que reconheceram o “estado de calamidade pública”, impuseram a “quarentena” e definiram, neste momento emergencial, as “atividades e serviços essenciais”. Alguns destes reflexos são os seguintes:
Reequilíbrio econômico-financeiro
O equilíbrio econômico-financeiro significa a proporção entre os encargos do contratado e a sua remuneração, fixada no momento da celebração do contrato.Em decorrência da COVID-19, muitas são as hipóteses com risco de desequilibrar econômica e financeiramente os contratos, o que autorizaria o seu reequilíbrio, como, por exemplo: a) efeitos em diversos insumos de sociedades empresárias brasileiras pela supervalorização da moeda norte americana, b) escassez de insumos, matérias-primas e mercadorias importadas, principalmente aquelas produzidas na China, c) diminuição ou ausência de empregados, gerando até mesmo contratações urgentes de elevado impacto financeiro; d) pagamento de horas extraordinárias para manutenção de certas atividades.
Há três espécies de mecanismos para realização do reequilíbrio contratual, quais sejam:
Revisão, pela qual se busca o realinhamento do contrato causado por situação imprevisível e de consequências incalculáveis;
Reajuste, instrumento pelo qual se pretende a recomposição monetária dos valores pactuados, a partir de índices inflacionários predefinidos; e
Repactuação, incidente nos contratos de prestação de serviço contínuo com emprego exclusivo de mão de obra, a partir da demonstração analítica de alteração dos encargos.
Nesse contexto, eventual impossibilidade de execução dos contratos pode não culminar na aplicação de alguma penalidade ao particular contratado, já que não haveria omissão, negligência ou desídia, mas efetiva impossibilidade de cumprimento do ajuste em razão de fenômenos econômicos extraordinários causados por terceiros.
Sanções administrativas
A Administração Pública, com fulcro em “cláusulas exorbitantes”, poderá entender cabível a aplicação de sanções administrativas por descumprimento total ou parcial dos termos contratuais, em decorrência, por exemplo, de insuficiência ou ausência de empregados, não atendimento de cronogramas, diminuição do volume e qualidade do serviço prestado e prazos de entregas modificados.
É preciso análise jurídica acurada para verificação dos motivos que ensejaram o descumprimento, pois em muitos casos tais inexecuções terão decorrido da realidade imposta pela pandemia, caracterizando-se a força maior, o que afasta a possibilidade de aplicação de sanções. Ainda, qualquer aplicação de penalidade deve ser precedida do devido processo administrativo no qual se garanta o direito à ampla defesa.
Suspensão das Sessões Públicas
Desdobramento da COVID-19 é a suspensão, cancelamento ou adiamento das sessões públicas ou atividades administrativas, podendo impactar diretamente nas licitações presenciais. Nesses casos, a situação pode dar margem à suspensão ou revogação do certame, com posterior reabertura, necessitando eventualmente de intervenção jurídica por parte dos interessados em participar do certame licitatório.
Reanálise do plano de contratações
Os órgãos e entidades públicas poderão revisar o planejamento de suas contratações, identificando as que: a) serão excluídas ou postergadas; b) serão incluídas, com base na possibilidade de contratações emergenciais, para atendimento das demandas decorrentes da propagação do COVID-19, de atividades consideradas essenciais pelo Decreto Federal no 10.282/2020, dentre outras; c) sofrerão redimensionamento em virtude da necessidade de readequação para atendimento das situações urgentes, principalmente na área da saúde.
Revisão da Matriz de Risco
Os resultados ainda incertos da pandemia da COVID-19 nos objetivos dos contratos administrativos – em decorrência, por exemplo, da ausência ou diminuição de empregados na realização dos trabalhos das empresas contratadas, que gerará diminuição no fluxo do serviço prestado, bem como atraso ou impossibilidade de entrega de produtos, materiais e atendimento de prazos anteriormente definidos -, necessariamente ocasionará a revisão da matriz de risco.
Contratações Públicas Extraordinárias / Emergenciais
A proliferação da COVID-19 fez com que o Poder Legislativo editasse norma (Lei no.13.979/2020) prevendo contratações públicas extraordinárias durante o período crítico, cabendo tanto ao gestor público como ao particular a devida cautela na efetivação da nova hipótese legal.
Tais medidas incluem, por exemplo, a possibilidade de contratação de empresas declaradas inidôneas – se for a única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido -, a compra de equipamentos usados – desde que o fornecedor se responsabilize por seu funcionamento – e, nos casos de bens e serviços comuns, a dispensa de estudos preliminares.
Com a alteração da referida lei pela Medida Provisória n°. 926/2020, a dispensa da licitação abrange quaisquer bens e serviços, inclusive de engenharia, e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de saúde pública advinda do COVID-19, não estando restrita, portanto, somente à compra de materiais de saúde.
Direito Tributário
A União Federal tem adotado providências para adiar o recolhimento dos tributos, a fim de amenizar a situação financeira das empresas neste período de dificuldade. Verifica-se a postergação do pagamento da parte da União no Simples Nacional por 6 meses, referente aos meses de abril, maio e junho, conforme disposição da Lei Complementar nº. 123/2006, que trata sobre as arrecadações para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. A ampliação desse prazo aplica-se ao IRPJ, IPI, CSLL, COFINS, PIS/Pasep, CPP e à Contribuição para a Seguridade Social relativa ao microempreendedor, conforme disposto na Resolução CGSN n°. 152/2020.
As Portarias n°. 103 e 7.821/2020, ambas da PGFN, igualmente estabeleceram a suspensão das formas de cobrança de tributos, por 90 dias, especialmente protesto de certidões da dívida ativa e exclusão de contribuintes de parcelamentos administrativos. As impugnações e recursos nos procedimentos administrativos e pedidos de revisão de dívida foram, da mesma forma, suspensos pelo mesmo período. Para a renegociação de dívidas foi proposto novo parcelamento ordinário, em até 84 parcelas, com 1% de entrada a ser pago em 3 meses, com a primeira parcela a ser paga apenas em junho de 2020.
Outras medidas visam facilitar a organização financeira das empresas neste período, como a postergação do pagamento do FGTS por 3 meses, a redução de 50%, nos próximos 3 meses, das contribuições ao Sistema S (voltados ao desenvolvimento profissional – Senai, Sesc, Sesi, Sebrae, entre outros), as antecipações da restituição do Imposto de Renda e da 2ª parcela do 13ª salário para maio de 2020 aos aposentados e pensionistas do INSS.
Por fim, houve, por parte do Governo Federal, a concessão de facilitadores à aquisição de equipamentos médicos, como isenção temporária do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto de Importação (II) e simplificação de despacho aduaneiro.
Direito Penal
Assim como em outras áreas do Direito, o atual quadro já está gerando consequências no campo jurídico-criminal, as quais serão a seguir explicadas.
Tramitação dos processos criminais durante a pandemia de coronavírus
Após o reconhecimento do estado de pandemia, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 313, resolveu estabelecer regime de plantão extraordinário nos tribunais de todo o País, à exceção do Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, ainda que os prazos, as audiências e os julgamentos presenciais tenham sido suspensos, a tramitação dos processos criminais não foi imobilizada, o que exige a manutenção do acompanhamento das ações penais e inquéritos de responsabilidade do escritório.
Criminalização do eventual descumprimento de medidas sanitárias impostas no período de crise
A decisão de repatriação de brasileiros isolados na província chinesa de Hubei gerou a Lei n° 13.979/2020, norma temporalmente limitada à duração da emergência sanitária e que teve por finalidade inicial garantir legalmente a quarentena dos repatriados.
Com o posterior reconhecimento do estado de pandemia, as autoridades federais se viram obrigadas a detalhar as medidas previstas na Lei n°. 13.979/2020. No que tange à área criminal, o detalhamento foi feito principalmente pelas Portarias Interministeriais n°. 5/2020 e n°. 7/2020. A primeira portaria trata da compulsoriedade das medidas sanitárias definidas pelas autoridades, com previsão expressa de sanções penais. Já a segunda elenca as medidas sanitárias a serem tomadas no âmbito do sistema prisional.
O avanço da pandemia também gerou a reação dos governos estaduais e municipais, com a consequente decretação de medidas restritivas a direitos individuais em diversas localidades: o Decreto n°. 64.879/2020, de São Paulo, determinou a quarentena geral da população; já o Decreto n°. 40.539/2020, do Governador do DF, suspendeu a maior de parte das atividades comerciais da capital nacional.
Ou seja, não foram poucos os atos governamentais proferidos nos últimos dias, o que levanta seguinte questionamento: o descumprimento de tais determinações pode gerar a responsabilização criminal?
Apesar da Lei n°. 13.979/2020 não fazer menção expressa ao termo “crime”, e sim “responsabilização legal”, o que ocorre também no já referido Decreto n°. 40.539/2020, do Distrito Federal, observa-se que a Portaria Interministerial n°. 5/2020 menciona expressamente a possibilidade de incidência de dois tipos penais incriminadores, no caso descumprimento das medidas sanitárias impostas para combater o avanço da moléstia, previsão que também existe no decreto paulista.
Portanto, entende-se que, ao menos em uma análise preliminar, e levando-se em conta que a infração de medida sanitária preventiva é uma norma penal em branco que exige uma normativa complementar para ser precisamente definida, é possível afirmar que as autoridades governamentais poderão se utilizar da responsabilização criminal como forma de reforçar as medidas de contenção à pandemia de COVID-19.
Pode-se citar como exemplo de responsabilização uma situação em que uma pessoa, após ser examinada por um médico, descumpre o isolamento por ele determinado. Em tese, tal conduta se enquadra ao crime previsto no art. 268 do Código Penal, que tipifica a infração de medida sanitária preventiva.
Outras imputações possíveis no período de pandemia.
Além das situações mencionadas no tópico anterior, é possível vislumbrar a responsabilização por outros delitos que ameacem a saúde alheia, como a prática de ato que vise a transmitir moléstia grave, ou a expor a vida de terceiro a perigo direto e iminente.
Por outro lado, o aumento dos litígios trabalhistas e a intensificação das turbulências nas relações entre empresas e consumidores pode acarretar a imputação de crimes contra a organização do trabalho e contra as relações de consumo.
Pandemia e o sistema prisional
A notória insalubridade do sistema carcerário logo levou os operadores do direito da área criminal a alertarem para o risco da contaminação em massa daqueles que se encontram custodiados em estabelecimentos prisionais.
A preocupação não se mostrou injustificada. Na China, epicentro da pandemia, ocorreu a contaminação maciça de presos. Já na Itália, país europeu mais atingido pela moléstia, o informe da chegada do vírus causou diversas rebeliões em unidades prisionais. Logo, não se mostrou surpreendente quando o quadro caótico visto em outras nações afetou o combalido sistema carcerário brasileiro, fazendo com que a mera suspensão da saída de presos em regime semiaberto tenha sido capaz de gerar fugas em massa de uma unidade prisional paulista.
Assim, atento ao potencial cenário de instabilidade que a pandemia pode gerar no sistema carcerário nacional, o CNJ emitiu a Recomendação nº. 62, trazendo medidas voltadas à prevenção da propagação da moléstia nos estabelecimentos prisionais do país.
Dentre as diversas medidas previstas na Recomendação, destaca-se a que sugere a soltura daqueles que foram acusados por crimes sem violência ou grave ameaça, ou que estejam encarcerados por um período superior a 90 (noventa) dias.
A título de exemplo, cita-se o caso de um cidadão que se encontra preso provisoriamente por supostamente ter cometido o crime de peculato e de lavagem de capitais. Nesse caso, a Recomendação do CNJ indica que o pedido de soltura poderá ser atendido pelo juiz, eis que os delitos imputados não foram cometidos com violência ou grave ameaça.
A Recomendação também traz sugestões voltadas àqueles que já cumprem uma pena definitiva, dentre as quais ressaltamos a concessão de prisão domiciliar aos apenados que se encontram em regime aberto ou semiaberto.
Término da pandemia: possíveis responsabilizações criminais posteriores
Por fim, como já levantado em outra parte do presente informativo, ressalta-se que a Lei n°. 13.979/2020 permitiu a dispensa de licitação para as aquisições de bens destinados ao enfrentamento da pandemia, trazendo diversos requisitos legais para permitir a sua realização. Porém, entende-se que tal possibilidade legal não será suficiente para impossibilitar eventuais imputações criminais contra gestores públicos e empresários que tenham inobservado alguma das formalidades prevista na lei.
Assim, um gestor municipal que participou de uma dispensa de licitação para a compra de EPIs (equipamento de proteção individual) poderá responder criminalmente por deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade de certame, caso não tenha observado alguma das determinações previstas na Lei n° 13.979/2020 e na Lei n°. 8.666/93.
Conclusão
A existência de interesses jurídicos conflituosos, em decorrência da pandemia, será inevitável. Fundamental, desta forma, o auxílio técnico especializado de advogados capazes de prestar orientação, com vistas à diminuição dos riscos e dos danos, assim como para atuarem na posição de intermediários entre as partes, objetivando a melhor e amigável solução de eventuais conflitos.
Porém, nos casos em que o litígio for inevitável, a atuação de uma equipe especializada será a melhor forma de evitar ou minorar riscos e danos, preservando assim os interesses mais caros daqueles que porventura se vejam envolvidos em alguma situação-limite.
Nessa ordem de ideias, o QVQR Advocacia tem como missão, no atual cenário de pandemia, analisar, juntamente com os nossos clientes, quais medidas podem ser implementadas para, preventiva e/ou repressivamente, afastar qualquer situação adversa, bem como, nas hipóteses em que se vislumbre tal possibilidade, otimizar suas participações nos respectivos setores de atuação, o que será viabilizado através de planejamento e atuação jurídico-administrativa no caso concreto.
QVQR Advocacia
Rodrigo de Sá Queiroga |
Carlos Antônio Vieira Fernandes Filho |
Alexandre Vieira de Queiroz |
Camilla Rose Ewerton Ferro Ramos |
Paulo André Moreira de Souza |
Vasco Pereira de Paiva Neto |
Anna Paula Araújo Gonçalves de Oliveira |
Arielle Silva Vieira Cavalcanti |
Cátia Mendonça dos Santos |
Caio Italo Santiago Luongo |
Diogo de Myron Cardoso Ponzi |
Guilherme Silva Cardoso |
Gustavo Afonso Saboia Vieira |
Janina Maria de Morais Cunha |
João Marco Gomes de Rezende |
Johann Adrianus Camargo Boudens |
Juliana Lemos de Oliveira Sombra |
Karina Pinto Brasileiro Wanderley |
Larissa Viana Santos |
Lethicia Mesquita Brandão |
Mariana Pinheiro Novaes Roberg |
Murillo Silva da Rosa |
Nilson Ribeiro dos Santos Junior |
Pedro Paulo Lira Young |
Ygor José Cavalcante Pereira |